A saga da imunidade do ITBI e as conclusões à luz do STF

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Por Shirley Henn

10 de abril de 2024

Contribuintes e municípios enfrentam um impasse relacionado à incidência do ITBI no caso de integralização de capital social de pessoas jurídicas por meio da transferência de bens imóveis. As municipalidades entendem que o ITBI deve incidir sobre a diferença entre o valor conferido ao bem para fins de integralização ao capital social, normalmente o valor histórico (custo de aquisição da pessoa física ou valor contábil no caso de pessoa jurídica) e o valor venal.

Tudo começou no julgamento do Recurso Extraordinário n. 796.376/SC – Tema 796, onde o STF, sob o voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes, fixou a tese de que “A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

Ou seja, na oportunidade, disse o STF que a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I, do § 2º, do art. 156, da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que excedam o limite do capital social a ser integralizado, ou seja, com destino diverso da conta incorporação ao capital social: “Revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo – como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital”.

No leading case (Tema 796/STF), os imóveis foram transferidos à pessoa jurídica em valor superior ao das quotas subscritas, sendo que a parcela excedente ao valor nominal do capital social, isto é, o ágio na integralização, foi destinado à conta Reserva de Capital, do Patrimônio Líquido.

Ocorre que os Municípios interpretaram “equivocadamente” a tese fixada pelo STF, uma vez que o caso concreto tratava da diferença de ITBI incidente sobre valores contabilizados em Reserva de Capital, e não da diferença dos valores destinados à conta capital social e o valor de mercado do bem.

No entanto, o STF nunca disse que os Municípios estavam autorizados a cobrar o ITBI sobre a diferença entre o valor venal (de mercado) do imóvel e o valor considerado na integralização do capital social, como vinha sendo cobrado dos contribuintes desde quando proferida a referida Decisão.

Uma manifestação clara deste equívoco veio por meio da recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Goiás, no Agravo de Instrumento 5620501-41.2023.8.09.0151, onde a questão foi magistralmente esclarecida. Na decisão, foi reconhecido o direito incontestável do contribuinte à imunidade tributária, no sentido de que: 

“A imunidade da operação de integralização de capital pelo sócio é incondicionada, ou seja, atinge todo o valor da operação, independentemente do valor do imóvel a ser incorporado ser o declarado no imposto de renda ou o valor de mercado, bem como independe se atividade preponderante da empresa é formada, em sua maioria, de receita proveniente de atividades imobiliárias (TEMA 796, STF).

Em arremate, ainda constou da decisão que a interpretação atribuída pelos municípios “não apenas vai de encontro ao que foi estabelecido na decisão do STF, que enfatizou que “a legislação tributária permite explicitamente a transferência do imóvel pelo valor de custo/declarado”como também viola o disposto no artigo 23 da Lei Federal n.º 9.249/1995, que permite a transferência do imóvel pelo valor declarado no imposto de renda ou pelo valor de mercado”.

Outro ponto da decisão do STF que merece destaque encontra-se, igualmente, no voto do Ministro Alexandre de Morais no julgamento do Tema 796, ao expressamente consignar que a imunidade do ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, independentemente da atividade da pessoa jurídica, ligada ou não ao ramo imobiliário, está protegida pela imunidade constitucional do ITBI.

Assim, a restrição da imunidade do ITBI sobre a transferência de bens imóveis ao patrimônio da pessoa jurídica, no caso de a atividade preponderante do adquirente consistir na compra e venda de bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil somente subsiste quando se tratar de operações societárias de fusão, incorporação, cisão ou extinção.

O tema ainda é controvertido, pois alguns juristas defendem que a matéria não foi objeto do julgado, em que pese recentes decisões judiciais de Tribunais de Justiça tenham aplicado o referido entendimento sobre a fundamentação explanada no voto.

Como exemplo, tem-se a Arguição de Inconstitucionalidade Cível nº 0705115-03.2021.8.07.0018 (julgado em 20/09/2023), do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que reconheceu que

No julgamento do Tema 796 da Repercussão Geral, RE 796.376/SC, o Supremo Tribunal Federal consignou, nas razões de decidir do voto condutor do acórdão, que “a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso”. Assim, sedimentou a interpretação de que a imunidade do ITBI relativa à integralização de capital social é incondicionada e a condição de não exercer atividade preponderantemente para se beneficiar dessa imunidade alcança apenas as hipóteses de transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”.

Por fim, observa-se que os Municípios repetidamente desqualificam a imunidade do ITBI sobre o fundamento de que a pessoa jurídica não exerceu nenhuma atividade operacional no período fiscalizado. Neste ponto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, nas Apelações números 1007470-03.2023.8.26.0053 e 1034150-59.2022.8.26.0053 reconheceu que o fato de a pessoa jurídica não auferir receita da atividade não afasta o direito à imunidade do ITBI, não podendo haver interpretação restritiva da norma.

O Núcleo Tributário da Poffo & Henn Advogados está acompanhando os desdobramentos do tema e se coloca à disposição de seus clientes e parceiros para esclarecimentos.

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Por Shirley Henn

10 de abril de 2024