O regime de substituição tributária está previsto na Constituição Federal de 1988, no art. 150, §7º:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[…]
§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
Em resumo, o ICMS Substituição Tributária (ICMS-ST) é um mecanismo utilizado pelos estados para atribuir a responsabilidade do recolhimento do imposto a um terceiro, como a indústria ou o importador, que esteja vinculado ao fato gerador do ICMS. Esse regime se aplica a determinadas cadeias de circulação de mercadorias e tem como principal objetivo simplificar a fiscalização tributária, concentrando o recolhimento do imposto em apenas um contribuinte da cadeia.
Por exemplo, ao realizar a venda de uma mercadoria sujeita ao regime de substituição tributária de uma indústria para um distribuidor, o industrial deve antecipar e recolher o ICMS referente às operações subsequentes com essa mercadoria. Isso significa que o ICMS devido na venda do distribuidor para o varejista, e do varejista para o consumidor final, será retido logo no início da cadeia.
Este regime apresenta duas modalidades de contribuintes:
a. O substituto, que é o contribuinte de fato (Indústria ou importador), responsável por calcular e pagar o ICMS-ST relativo a todas as operações subsequentes que provavelmente acontecerão até chegar ao consumidor final; e
b. O substituído, que é o contribuinte pelo qual o substituto tributário reteve e recolheu o ICMS-ST relativo às mercadorias que serão revendidas pelo substituído.
O contribuinte substituído, embora não seja o responsável direto pelo recolhimento do imposto, assume responsabilidade solidária com o substituto. Assim, se o contribuinte receber uma mercadoria sujeita à substituição tributária e a retenção do imposto não for feita corretamente, ele também é solidariamente responsável pelo recolhimento do tributo.
Os produtos sujeitos ao regime de substituição tributária são listados em Convênios, Protocolos e legislações estaduais específicas de cada estado. Esses instrumentos determinam a aplicação de benefícios, incentivos fiscais e regimes de tributação para as operações e prestações tanto internas quanto interestaduais.
O fornecedor remetente da mercadoria deve reter e recolher o ICMS-ST, desde que os estados envolvidos tenham firmado o respectivo Protocolo ou Convênio, sempre em conformidade com a legislação de cada unidade federativa. Cada estado pode, a seu critério, determinar a forma de cálculo da base do imposto sobre os produtos para fins de substituição tributária nas operações subsequentes.
Nos termos da Lei Complementar nº 87/1996, a base de cálculo do ICMS-ST poderá ser estabelecida por meio de quatro formas:
a. Valor correspondente ao preço final ao consumidor, único ou máximo, fixado por órgão público competente;
b. Preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador;
c. Preço Médio Ponderado a Consumidor Final (PMPF) ou Preço de Pauta; ou
d. MVA (Margem de Valor Agregado).
A questão da restituição e complementação do ICMS-ST surgiu a partir do Recurso Extraordinário nº 593.849 de 2016, quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito do contribuinte de receber a possível diferença apurada entre o valor recolhido antecipadamente no início da cadeia, com o que foi realmente devido no momento da venda ao consumidor, dando como comprovação de que a Base de Cálculo presumida foi superior ao preço final efetivamente praticado.
Nessa sistemática, alguns contribuintes pagam mais e outros menos impostos; a partir desse fato, permitiu-se também que as Unidades Federativas tenham o direito de receber a diferença do ICMS pago a menor, ou seja, quando a base de cálculo presumida do imposto for abaixo do preço final de fato praticado.
Sobre essa temática, havia a controvérsia da “necessidade de observância, ou não, do que dispõe o artigo 166 do CTN nas situações em que se pleiteia a restituição/compensação de valores pagos a maior a título de ICMS no regime de substituição tributária para frente quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior a presumida.”
O referido artigo determina que
“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.”
Ou seja, o dispositivo exige que a empresa prove ter assumido o encargo financeiro, ou, se transferiu a terceiro – no caso, o consumidor final -, para que haja autorização dele para a restituição. Na prática, a aplicação do artigo tornava inviável o recebimento do tributo pago a maior, vez que dificultava a produção de prova e acarretava autuações pelos estados pelo não cumprimento de obrigações acessórias na restituição.
Entretanto, em sessão realizada em 14/08/2024, a primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do Ministro Herman Benjamin, apreciou a controvérsia sobre a necessidade de comprovação negativa de repasse de encargos de ICMS ao consumidor final ao ressarcir o ICMS-ST a maior, se o valor final de venda for inferior ao utilizado na base presumida do imposto.
Por unanimidade, a Seção fixou a seguinte tese: “na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria a preço menor do que a base de cálculo presumida para recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no artigo 166 do CTN” (Tema Repetitivo nº 1.191/STJ).
Em conclusão, a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) representa uma significativa vitória para os contribuintes no contexto da restituição de ICMS-ST. Ao declarar inaplicável o artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN), em casos de restituição do ICMS-ST quando a base de cálculo presumida supera o preço final efetivo de venda, o STJ simplifica o processo de ressarcimento para os contribuintes.
Essa decisão alivia o fardo sobre os varejistas e outros contribuintes que, na prática, enfrentavam dificuldades para comprovar o não repasse do imposto ao consumidor final. Ao assegurar que o artigo 166 do CTN não se aplica nesse contexto, o STJ promove maior justiça fiscal, permitindo que os contribuintes recuperem valores pagos a mais de forma mais ágil e eficiente. Esta mudança traz maior equidade no sistema tributário, reconhecendo a complexidade e as realidades práticas enfrentadas pelos contribuintes sob o regime de substituição tributária.